sábado, 2 de agosto de 2014

POVOADOS PRESERVAM MEMÓRIA HISTÓRICA E CULTURAL

Por João Paulo Araújo de Carvalho (em Guia do Comércio de Nossa Senhora das Dores, 2014, páginas 35, 39 e 40) O autor é professor, Mestre em História, escritor, membro da ADL e do Projeto Memórias. O município de Nossa Senhora das Dores possui cerca de 25 povoados, nos quais, de acordo com o censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), estão situados 8.553 habitantes (num total de 24.580). Nestes logradouros ou ao redor dos mesmos concentram-se parte considerável da produção econômica da municipalidade, tais quais a criação de gado e o cultivo de cana-de-açúcar, milho, mandioca, banana etc, além de algumas indústrias como olarias, casas de farinha e usina de beneficiamento da cana. Nos povoados dorenses também é possível perceber uma presença mais forte da memória histórica e cultural do município, uma vez que neles as tradições, as históricas, as lendas, as artes e ofícios antigos têm sido mais facilmente preservados do que na cidade, onde as mudanças de comportamento se processam mais rapidamente. Em Maçaranduba encontram-se os últimos tocadores de pífano; no Gado Bravo Sul o derradeiro grupo de reisado; em Cruzes e Carro Quebrado a produção artesanal de vassouras de pindoba; no Sapé a arte de fabricar esteiras e esteirões de junco; em Borda da Mata os bordados; no Ascenso e no Gentio a tradição religiosa centenária da Procissão do Madeiro; Itapicuru é o berço da literatura de cordel, a mais popular das poesias, pois lá nasceu o cordelista José Barbosa; no Gado Bravo Norte encontram-se várias tradições religiosas e culinárias, além de ali ter nascido a poetisa Maria Salete Nascimento; em Cruzes, na Serra, no Cajueiro e nas proximidades da Varginha encontram-se lugares de memória ligados à presença do cangaço; em Cachoeirinha a preservação da memória no Museu Caipira; já o Taborda é berço do maior nome da literatura dorense, o professor e escritor Manoel Cardoso; dentre outros exemplos. (...) LEMBRANÇAS DA SAGA CANGACEIRA Entre as décadas de 1920 e 1930 o município de Nossa Senhora das Dores fez parte da rota sergipana dos cangaceiros, em especial dos bandos de Lampião e Zé Sereno. Das suas inúmeras incursões pelo solo dorense restaram várias histórias registradas em jornais, documentos escritos, livros, mas, sobretudo, nas memórias dos personagens que viveram a época, como é o caso de Antônio Cardoso de Oliveira (Juquinha), João Alves de Moura (João de Libâneo) e José Garcia Vieira (todos já falecidos e cujas histórias estão registradas em artigos, documentários e vídeos), além de Ebron Alves Feitosa, Isaura Clementina Lopes, Manoel dos Santos (Manezinho da Volta) e Manoel dos Santos Porto (Portinho), que além de terem suas memórias igualmente registradas continuam a contá-las e recontá-las. No mais, existem diversos lugares de memória que foram cenários das histórias vividas por estes e por outros personagens. Tais locais ajudam a entender o desenrolar dos acontecimentos e resistem como monumentos a registrar os fatos. O centro da cidade foi palco da primeira “visita” do grupo de Lampião em 1929, em cujo roteiro inclui a praça José Ivan Pereira dos Anjos onde ocorria a feira livre na qual os cangaceiros andaram, assim como a rua João dos Reis Lima Neto (calçadão) e a praça Cônego Miguel Monteiro Barbosa (praça da Matriz), onde residiam os homens ricos da cidade que foram obrigados a colaborar com dinheiro para a “bolsa” que evitou maiores transtornos aos dorenses. Ali também se situavam a casa do Intendente (prefeito) Manoel Leônidas Bomfim (praça José Ivan) e diversas casas comerciais nas quais os bandoleiros se abasteceram de víveres. Tais lugares de memória ajudam ainda a conhecer o tamanho da cidade na época, uma vez que trincheiras foram construídas nas entradas da cidade. As trincheiras eram buracos no chão que serviam de guarita para os soldados da volante que foram contratados para proteger a cidade e evitar nova incursão do grupo lampiônico. Elas localizavam-se nas esquinas das atuais ruas Benjamin Constant com Edézio Vieira de Melo (nas proximidades da popular padaria de Borrachinha), das ruas Francisco Porto com Tertuliano Junqueira Simões (perto da antiga bodega de dona Carmelina) e das avenidas Lourival Baptista e Presidente Médici com a praça Joel Nascimento. As trincheiras evitaram nova entrada do bando de Virgulino Ferreira da Silva em Dores no ano de 1930. Porém, como não conseguiu seu objetivo, o mesmo cometeu diversos crimes na periferia e em povoados circunvizinhos, sequestro e estupro da mulher de Santo bodegueiro no Ascenso, sequestro no Cruzeiro das Moças e assassinato na fazenda Candeal (próximo ao povoado Varginha) de José Elpídio dos Santos, assassinato de um deficiente mental (cujo nome não se registrou para a história) e castração de Pedro Batatinha no povoado Taboca, fazendo de tais locais igualmente lugares de memória do cangaço em solo dorense. De todos esses crimes, apenas o assassinato de Elpídio foi investigado pela Justiça, fazendo de Dores a única cidade sergipana a processar criminalmente Lampião. Da saga lampiônica também resistem locais que representam o temor vivido pela população da época. É o caso da Mata da Serrinha (povoado Serra) e da Gruta da Salvação (povoado Cruzes), lugares que eram utilizados pelo povo que sofria as agruras daquele tempo para se esconder quando ouvia notícias de cangaceiros na redondeza. Tais locais, de mata fechada e difícil acesso, passavam à população a sensação de segurança, fazendo com que os mesmos ali se refugiassem até mesmo durante dias. Igualmente, existem ainda os registros da presença do bando liderado por Zé Sereno (José Ribeiro Filho), na verdade um subgrupo do bando de Lampião. Trata-se da fazenda Cajueiro, situada no povoado de mesmo nome, que pertencia ao Coronel Vicente Figueiredo Porto e que Sereno invadiu, ocorrendo nela cerrado tiroteio entre cangaceiros e o coronel numa noite da década de 1930. Era o chamado “Fogo do Cajueiro”. Outro combate envolvendo cangaceiros em Dores ocorreu em 1937 (um ano antes da morte de Lampião em Angicos, Sergipe, e do início do fim do cangaço lampiônico). Foi o “Fogo do Salobro”, ocorrido na fazenda Salobro (do Coronel Manoel Leônidas Bomfim) e que envolveu o bando de Zé Sereno e a volante de Balthazar, que vinha no seu encalço desde o Saco do Ribeiro (atual Ribeirópolis). Nesse confronto, um cangaceiro foi morto e decapitado, tendo sua cabeça levada até a capital como troféu. Assim sendo, a saga cangaceira deixou muitas lembranças em solo dorense, tanto na cidade quanto no interior do município, sendo que estes locais de memória têm atraído cada vez mais a atenção de pesquisadores e podem, no futuro, atrair também turistas, como ocorre em várias partes do nordeste brasileiro.