domingo, 26 de junho de 2022

JAIME DAS MENINAS

As figuras lendárias são enriquecimento cultural para qualquer localidade. Jaime Bispo é uma dessas figuras do Povoado Volta em Nossa Senhora das Dores. Desde cedo se dedicou a lida com o gado. Tornou-se vaqueiro e boiadeiro de estrada, conduzindo as boiadas entre diversas localidades de Jequié, Bahia, a Pernambuco. Lembrando, outrora era o único meio de deslocamento de gado, a presença dos caminhões boiadeiros era rara. Ao mudar-se para Nossa Senhora das Dores aprimorou a arte do aboio que era comum nas jornadas com o gado e passou a organizar eventos que se relacionassem com a vida de gado. Com ajuda de amigos organizou a Cavalgada dos Amigos. Com a presença de vaqueiros da região é uma das cavalgadas mais concorridas. Jaime das Meninas desfila à caráter usando roupa de couro – Gibão – outrora usada para proteger-se dos espinhos e galhos de árvores nos matagais quando cuidavam do gado. Seu paramento e o aboio fazem sucesso. Ele é um obstinado pela arte com a cultura do gado. Num terreno ao lado da casa montou uma estrutura rudimentar de madeira e criou um curral para a prática da tourada. Uma festa frequentada por quem se identifica com a vida de gado, uma atração a mais nas noites de segunda-feira. A tourada aqui consiste em soltar um touro bravo no curral e um ou mais homens ou mulheres pularem para dentro e tentarem tocar no animal, passar entre as pernas do bicho, montá-lo, enfim, caçar o animal. Os corajosos geralmente recebem gorjetas e saem na maioria das vezes machucados e realizados como valentes. Jaime das Meninas é de fato um empreendedor cultural. Como se não bastasse ainda se dedica a organizar e estimular a juventude da Volta a dançarem a quadrilha junina num espaço reservado em sua residência. De fato, ele faz a festa. Em relação ao apelido ele garante que o recebeu por ser gentil e educado com as meninas – as mulheres – por onde andava. Diz não ser casado, mas tem filhos. Realmente, é uma figura transvestida de vaqueiro, boiadeiro, aboiador, promotor de eventos e ilustre cidadão dorense. Autor: Luís Carlos de Jesus (professor e colaborador do Projeto Memórias). Texto publicado originalmente no Guia Perfil do Comércio de Nossa Senhora das Dores. (Nossa Senhora das Dores/SE, 2ª edição, 2013, p. 36.) Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2011.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

HISTORIOGRAFIA SOBRE AS PROCISSÕES DE DEVOÇÃO À PAIXÃO DE CRISTO EM N. SRA. DAS DORES: PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DE SERGIPE

Estamos na "Semana Santa", período no qual os católicos voltam-se para a reflexão sobre a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, sendo a prática penitencial uma das manifestações de fé mais evidentes nesse contexto devocional. Em Nossa Senhora das Dores, estado de Sergipe, na sexta-feira da "Semana Santa", chamada pelos católicos de "Sexta-feira da Paixão", existem procissões penitenciais, algumas centenárias, que fazem do município um espaço ímpar em todo o estado e no país. Ali ocorrem a Via-Sacra ao Cruzeiro do Século e as procissões do Senhor Morto, do Madeiro e dos Penitentes, essas duas últimas com mais de cem anos. Tal contexto votivo levou essa devoção a ser reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial de Sergipe, por meio da Lei nº 8.051, de 22 de outubro de 2015. Sobre essas manifestações de fé dos habitantes da antiga Enforcados, existem inúmeros trabalhos acadêmicos produzidos. Destacamos, a seguir, quatro escritos historiográficos que nos ajudam a compreender melhor a presença da penitência na cultura sergipana e, em especial, na dorense. Os dois estudos pioneiros foram empreendidos pelas professoras Gisselma Silva de Jesus Almeida e Magneide Santana Lima, emergindo do curso de graduação em História da Universidade Federal de Sergipe. À luz dos conceitos de campo e habitus, de Bourdieu, as referidas historiadoras buscam compreender períodos conflituosos da trajetória de procissões penitenciais que ocorrem na cidade desde o final do século XIX, em cortejos intimamente ligados à oração pela remissão dos pecados de vivos e mortos, bem como ao pagamento de alguma promessa que tenha levado o devoto a alcançar graças através do sagrado. Almeida (2002), em sua monografia “Procissão do Madeiro: devoção e diversão em N. S. das Dores entre os anos de 1992 e 1997”, estudou os conflitos internos na procissão conhecida como “Madeiro”, após a morte de seu líder e descendente da família fundadora dessa manifestação religiosa, Manoel Pajaú. Daí acabou emergindo uma nova liderança e a introdução de cenas da Paixão e Morte de Cristo no percurso da procissão, dentre outras mudanças que passaram a atrair uma multidão de curiosos, mas que, por quebrarem características da “tradição”, desagradaram aos membros mais antigos, gerando conflitos com a família dos seus criadores. Já a monografia de Lima (2002), intitulada “Penitentes de Nossa Senhora das Dores: Explosão de Fé 1990 – 2000”, aborda o crescimento no número de participantes e de acompanhantes da procissão dos “Penitentes”, num processo de atração de pessoas à cidade na “Sexta-feira Santa”, durante a década de 1990, fato que a autora associa à sua divulgação nos meios de comunicação e à quebra de uma das regras da manifestação, qual seja: a não permissão da entrada de menores de 18 anos e os embates que essa flexibilização do habitus promoveu no campo religioso local. Por sua vez, na dissertação apresentada por João Paulo Araújo de Carvalho (2019) ao Programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, que resultou no livro Uma Cruz para os Enforcados: práticas penitenciais em Nossa Senhora das Dores-SE, o autor analisa um conjunto de crenças e ritos associados à penitência e presentes em diversas manifestações religiosas que ocorrem no município na chamada “Sexta-feira Santa”, com foco nas procissões denominadas de Cruzeiro do Século, Madeiro, Senhor Morto e Penitentes, buscando compreendê-las em suas múltiplas temporalidades, embates e apropriações. Por fim, os historiadores João Paulo Araújo de Carvalho e Antônio Bittencourt Júnior (2015) foram autores do dossiê “Procissões de devoção à Paixão de Cristo em Nossa Senhora das Dores (SE)”, que embasou a solicitação encaminhada pelo Projeto Memórias à Assembleia Legislativa de Sergipe, em fevereiro de 2015, e que resultou no reconhecimento de um conjunto de procissões penitenciais que ocorrem no município na “Semana Santa” como Patrimônio Cultural Imaterial de Sergipe.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

PROJETO MEMÓRIAS, UMA REFERÊNCIA (por Domingos Pascoal de Melo, membro da ASL e da ADL)

A ADL – Academia Dorense de Letras, seguindo a sua tradição proativa de sempre estar a um passo a frente, traz a lume a sua segunda Antologia histórica e literária e, agora, a cada acadêmico foi solicitado escrever algo relativo que tivesse estreita relação com a cidade de Nossa Senhora das Dores, o que me deixou muito feliz. Feliz e preocupado, pois, embora sendo, para a minha honra e orgulho, um dos felizardos componentes deste seleto grupo que forma este operoso Silogeu, senti-me, naturalmente, por obvio, pobre de conhecimento para cumprir o solicitado. Senão por um movimento cultural e literário que conheci há alguns anos e aprendi a admirar e valorizar, eu pouco conhecia e conheço, ainda, sobre a rica história daquela cidade. Refiro-me ao Memórias Dorenses, ou Projeto Memória: memória, patrimônio e identidade criado em 2003. Em 2010, quando começamos a semear as sementes de academias literárias nos municípios sergipanos, procuramos primeiro esses movimentos, para que, a partir deles, pudéssemos experimentar a construção do ideado. Este era um dos pensamentos do nosso líder Luiz Antônio Barreto, ele acreditava e, estava absolutamente certo, que deveríamos seguir o que aconteceu com a Academia Sergipana de Letras, que foi criada a partir de um movimento denominado Hora Literária. Ainda, segundo nosso mestre, deveríamos encontrar esses movimentos, identificá-los e fortalecê-los se fosse o caso e, também, criar novos, onde não havia e, somente então, sugerir a criação de uma academia. O primeiro a ser encontrado, foi exatamente o Projeto Memória. Outros foram encontrados, porém, às vezes, somente as referencias e ou estavam inativos, sem funcionar. Outros, ainda, foram criados, contudo, por muitas razões, alguns não prosperaram. Na verdade, procurávamos, então, o fio da meada para que pudéssemos colocá-los ou recolocá-los a andar..., só, que aí o nosso líder veio a adoecer e, fatalmente falecer no dia 17 de abril de 2012. Neste diapasão, tivemos que seguir em frente e, foi fazendo um pouquinho diferente, que seguimos, pois já percebíamos que algo de bom estava prestes a acontecer, não dava para saber qual seria o primeiro: Glória, Tobias, Lagarto, Itabaiana ou Laranjeiras. Algo se prenunciava, mas, recomendava calma pois não tínhamos, ainda a cultura de uma primeira academia no interior de Sergipe. Aconteceu, enfim. Chegou a AGL – Academia Gloriense de Letras, ao que parece, sem suporte de nenhum movimento que a antecedesse. O que não retirou, em absoluto, o valor e nem o brilho dos movimentos, mormente, do Projeto Memória, que continuava muito fortalecido e exercendo à plenitude, todas as suas demandas, cumprindo um papel “sui generis” de uma instituição que sabia aonde queria chegar. Até que, o mesmo grupo que o criou em 2003 e o comandava: Professores João Paulo Araújo de Carvalho, Luiz Carlos de Jesus e Manoel Messias Moura, decidiram, em 2014 fundar a ADL – Academia Dorense de Letras. Projeto memórias, continuou e continua a existir. Na apresentação que os autores do Livro: Memória, Patrimônio e Identidade, lançado com o selo do Projeto Memórias, em 2012, eles mostram bem o que representa este movimento para a cidade, a cultura, o resgate e a preservação da memória daquele povo bom e ordeiro de Nossa Senhora das Dores: “...Como, pois, preservarmos nosso patrimônio, construído ao longo de séculos de história, sem que valorizemos a memória? Como construirmos a dorensenidade, ou seja, nossa identidade dorense, sem sabermos quem somos, sem preservarmos nossa memória? E continua: Foi diante destes questionamentos e da necessidade urgente de salvaguardar nosso patrimônio, vítima de décadas de descaso, que nasceu o Projeto Memória (2003), dele o informativo Cultural Memórias Dorenses (2005) e, depois, a Associação “Nossa Senhora das Dores dos Enforcados” (2006), entidade que hoje já conta com o reconhecimento de utilidade publica nas esferas municipais e estadual e é, desde 2010, o único “Ponto de Cultura” do Médio Sertão Sergipano, chancelado pela Secretaria de Estado da Cultura e pelo Ministério da Cultura por meio da concorrência em edital público e que garante o apoio financeiro a algumas atividades como oficinas, exposição, produção do filme “O Fogo do Cajueiro”, publicações como a deste livro etc.” Não foi outro, repito, o “Projeto Memória” que conheci em 2010, quando para essa linda cidade, mais uma vez, me dirigi. Dores era, na época, além de Itabaiana, Lagarto, Ribeirópolis e, talvez, mais umas duas ou três cidades de Sergipe que eu já conhecia. Para lá havia ido, não lembro o ano, a convite da minha amiga, Edilce Luciene, então Superintendente da CNEC, na época, para dar uma palestra no Colégio Cenecista Regional Francisco Porto. Porém, naquele ano, 2010, impulsionado pela amizade conquistada, via Infographics, Revista Perfil, professor João Paulo, Ary Pereira, Junior da Perfil..., e, por descobrir, naquela oportunidade, que de Dores também era meu, então confrade da Academia Sergipana de Letras, José Lima Santana, acadêmico por quem já nutria e, nutro ainda, muito respeito e admiração. Foi nesta época que mais feliz fiquei em conhecer o operativo Projeto Memória, instituição que estava diretamente envolvida com a cultura, a literatura, as artes plásticas e o artesanato. Participei de alguns eventos sob a sua chancela e deu para mensurar o quanto ele representava e representa no cenário local. O Projeto Memória foi e é uma referência digna de toda a nossa atenção pelo muito que fez e fará ainda, agora irmanado e fortalecido pela Academia Dorense de Letras, pela cultura, pela literatura, pelas artes, pela memória e história desta cidade e deste povo bom de Nossa Senhora das Dores.
* Texto originalmente publicado na 2ª Antologia Literária da Academia Dorense de Letras (Editora Brasil Casual, 2018, p. 36-36)